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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Vou-me embora pra Pasárgada




                                                           Manuel Bandeira



Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive


E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada


Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar


E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

                                                   Manuel Bandeira. Poesia completa e prosa.





FALANDO SOBRE O POEMA

“Vou-me embora pra Pasárgada”, de Manuel Bandeira

 

 

“Vou-me Embora pra Pasárgada” foi o poema de mais longa gestação em toda a minha obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego. (...) Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas” ou “tesouro dos persas” suscitou na imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias. Mais de vinte anos quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda sensação de tudo o que eu não tinha feito na minha vida por motivo da doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me Embora pra Pasárgada!” Senti na redondilha a primeira célula de um poema, e tentei realizá-lo mas fracassei. Abandonei a idéia. Alguns anos depois, em idênticas circunstâncias de desalento e tédio, me ocorreu o mesmo desabafo de evasão da “vida besta”. Desta vez o poema saiu sem esforço, como se já estivesse pronto dentro de mim. [Manuel Bandeira]

 

 

Vou-me embora para Parsárgada é um poema do escritor modernista brasileiro Manuel Bandeira. Este poema caiu no gosto dos intelectuais e também de pessoas comuns. É utilizado para dizer que existe um lugar  melhor onde se pode realizar seus desejos sob o meio ideal e imaginário como no sentimento de utopia. Entre inúmeras outras interpretações o poema se fortalece no meio erótico como função de conforto. O poema  se mostra nostálgico e é entendido como forma de compreensão da solidão, da fuga do monótono e da infelicidade. Pasárgada é um mundo em que o poeta não é doente. Pasárgada é o paraíso dele. Lá tudo é possível. É a criação de um espaço mágico, onde a simples vontade é lei, correspondendo ao desejo  de ter em sonho o que não pode ter na vida real, como uma espécie de compensação das frustrações da vida cotidiana.

 

Segundo esclarece o próprio poeta, Pasárgada significa “campo dos persas ou tesouro dos persas”. Esse nome, que provocou nele a ideia de uma paisagem fabulosa, um país de delícias, deu origem ao poema. Pode-se dizer que Manuel Bandeira, sendo um rapaz muito doente, não pôde gozar a vida como desejaria; através da poesia, porém, ele cria um mundo imaginário, a sua Pasárgada, onde todos os desejos se transformam em realidade. 

 

O poeta disse: “Lá sou amigo do rei”, enfatizando  que em Pasárgada, existe também a possibilidade de realização de seus  anseios materiais e assim todas as vantagens possíveis e imagináveis trariam ao eu-poético.  A  visão de sociedade que encontramos implícita nesse verso é que a  amizade com pessoas de influência facilita as coisas. Também tem a possibilidade  de livrar-se de preconceitos, dogmas morais e fazer tudo aquilo o que  quer. O interessante é que esse mesmo verso aparece entre travessões na última estrofe do poema com o objetivo de ser um lembrete para brincar com o leitor, provavelmente chocado com a fala do poeta: “a vontade de me matar” depois da euforia.

 

Como podemos observar no estudo da obra de Bandeira, o dado biográfico é muito importante. Muita coisa de sua vida ficou truncada pela doença, como ele próprio diz: “Tuberculose era chamada, na minha época, de a doença que não perdoa...”. Nessa perspectiva, Pasárgada representa o mundo do sonho, da fantasia, onde é possível realizar tudo, inclusive as atividades proibidas pela doença, como fica patente na terceira estrofe do poema. Lá ele poderá amar à vontade, poderá praticar todos atos físicos que a saúde lhe veda no mundo real.

 

As palavras e aqui no poema constituem uma antítese. Esses advérbios  tem um significado no contexto. significa o mundo ideal, do sonho, da fantasia; aqui,  o tempo e o espaço reais do poeta. Essa postura de evasão da realidade, isto é, o desejo de fugir para um mundo ideal  já tinha ocorrido no Romantismo (estilo de época - outro momento da literatura brasileira)  com certa frequência.   

 

Quanto ao aspecto formal, a estrutura que foi usada no poema para se obter um ritmo fluente, de nítida característica popular foi redondilhas maiores (versos de sete sílabas). Podemos dizer que o poeta é inovador, porém  guardando um estado de espírito semelhante a poetas estudados no passado. Observamos que o poema apresenta ritmo apesar de não haver rigor quanto à forma. Em relação ao conteúdo, grande parte dos poetas de todos os tempos demonstra insatisfação com a realidade presente e com os rumos do homem.

 

Vamos agora ler a seguinte estrofe, extraída do poema “Testamento”, de Manoel Bandeira:

 

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

 

Aprendemos de diversos poemas de Manuel Bandeira que ele viveu prisioneiro de um mal que o consumiu. Se lermos esse trecho e a segunda estrofe de “Vou-me embora  pra Pasárgada”, notamos uma relação de causa e conseqüência.  Como o poeta não teve filhos, não poderia ter noras. Já nos  últimos versos da estrofe: “Mas trago dentro do peito Meu filho que não nasceu”  podemos afirmar sem medo de errar  que ele traz amor dentro de si.

 

A pergunta que não quer calar é: Se Pasárgada é tão “perfeita”, por que o poeta ficaria triste? Podemos dizer que é porque  ele buscou soluções no mundo exterior para resolver sua angústia e seus problemas,  mas tudo serviria apenas para distraí-lo às vezes.

 

Shalom!

 

Maria A. Paiva Corá


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