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sábado, 3 de março de 2012

Infância




Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
                                                                  Carlos Drummond de Andrade                


Além de ler estes versos de Carlos Drummond de Andrade, podemos ouvi-los na sua voz. Que privilégio!



Falando sobre o poema

Provavelmente seja  o texto poético o mais carregado de climas, dos mais variados tipos:  de solidão, de saudade, de dor, de desespero, de amor, de carinho, pois o poema sempre busca revelar os sentimentos do poeta.
Quando lemos o poema de Carlos Drummond e Andrade podemos observar a atmosfera que o texto cria, fazendo com que nos envolvamos  nas reminiscências do poeta.
Aqui temos um poema de caráter narrativo, apresentando recordações do autor a respeito de sua infância.
É interessante o fato de que no poema  há uma única rima: “aprendeu/esqueceu”  na segunda estrofe.  Encontramos também na segunda estrofe  uma comparação: “café preto que nem a preta velha”.  Com isso o poeta quis dizer que o café não só tinha a mesma cor da mulher que o fazia, como também, e principalmente,  que a sensação agradável do café trazia-lhe lembranças de prazeres de sua infância que se confundiam com a ideia de proteção e aconchego que a preta velha evocava em sua mente.
Algumas ações dos personagens presentes no texto repetem-se em versos de diferentes estrofes. Com isso, o poema ganha uma atmosfera de tranqüilidade: “Meu pai montava a cavalo, ia para o campo”; “Lá longe meu pai campeava”; “Minha mãe ficava sentada cosendo”;  “Meu irmão pequeno dormia.” “- Psiu... Não acorde o menino”(uma fala dirigida ao mosquito que pousou sobre o berço do menino).
A atmosfera de paz e tranquilidade é reforçada na terceira estrofe com o verso:  “E dava um suspiro... que fundo!”  Já na última estrofe, o poeta, já crescido, lamenta não ter percebido, durante sua infância, como sua vida era interessante.  
Que lindo poema!
Maria A. Paiva Corá


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