Eu estava contigo. Os nossos dominós eram negros, e negras eram as nossas máscaras.
Íamos, por entre a turba, com solenidade,
Bem conscientes do nosso ar lúgubre
Tão contrastado pelo sentimento de felicidade
Que nos penetrava. Um lento, suave júbilo
Que nos penetrava… Que nos penetrava como uma espada de fogo…
Como a espada de fogo que apunhalava as santas extáticas!
E a impressão em meu sonho era que se estávamos
Assim de negro, assim por fora inteiramente de negro,
— Dentro de nós, ao contrário, era tudo claro e luminoso!
Era terça-feira gorda. A multidão inumerável
Burburinhava. Entre clangores e fanfarra
Passavam préstitos apoteóticos.
Eram alegorias ingênuas ao gosto popular, em cores cruas.
Iam em cima, empoleiradas, mulheres de má vida,
De peitos enormes — Vênus para caixeiros.
Figuravam deusas — deusa disto, deusa daquilo, já tontas e seminuas.
A turba, ávida de promiscuidade,
Acotovelava-se com algazarra,
Aclamava-se com alarido
E, aqui e ali, virgens atiravam-lhes flores.
Nós caminhávamos de mãos dadas, com solenidade,
O ar lúgubre, negros, negros…
Mas dentro em nós era tudo claro e luminoso!
Nem a alegria estava ali, fora de nós.
A alegria estava em nós.
Era dentro de nós que estava a alegria,
— A profunda, a silenciosa alegria…
(Manuel Bandeira. Carnaval)
Nota: Manuel Bandeira, ao emitir um juízo acerca do gosto popular, na terceira estrofe, assume uma postura análoga à de Joãozinho Trinta, quando esse afirmou: “Pobre gosta de luxo”.
Carnaval, publicado em 1919, justifica a alcunha de “São João Batista do Modernismo Brasileiro”, dada a Manuel Bandeira porque o movimento foi inaugurado no Brasil oficialmente com a Semana da Arte Moderna em 1922. Este texto de Manuel Bandeira já traz características do Modernismo (irregularidade estrófica, métrica e rímica) sendo-lhe precursor como São João Batista o foi de Jesus Cristo, por isso ele foi chamado de o São João Batista do Modernismo.
Não podemos afirmar que se trata de um fato verídico ocorrido com o poeta em uma terça-feira de carnaval mesmo porque a palavra “Sonho” no título sugere o contrário. [Maria A. Paiva Corá]
Por não ser versado nas artes, por vezes, para mim, esses tipos de textos se mostram enfadonhos.
ResponderExcluirContudo, com essas considerações, já posso provar o gosto dessa maravilhosa arte, que é a escrita do poeta.
Muito bom!
Abração.
Pedro Paiva - Brasília - DF